Chifres, pupilas, línguas, pálpebras, dentes, rugas horizontais, tudo em cores vivas e de enxofre. Na cabeça ou no queixo uma miniatura de sapo, de serpente, de coelho ou de macaco, só para insinuar a familiaridade e a proximidade entre uns e outros. A fusão entre animais-animais e entre homens-animais. Mas quem conseguiria realmente delimitar as fronteiras?
A partir do momento em que nossos ancestrais tomaram consciência da morte, que sentiram a angústia da culpabilidade e daí a cultuar os defuntos e atribuir-lhes poderes mágicos, a máscara surgiu como o mais eficiente dos instrumentos para tentar consolidar essa ponte, esse vínculo imaginário, essa relação entre os vivos daqui e os mortos de lá.
Segundo Burckhardt, “a máscara funerária é o arquétipo imutável, no qual supostamente a morte se reintegra. Ela tende ainda a reter, no caso da múmia, o alento dos ossos, modalidade sutil inferior do homem.[1]
Em síntese, numa interpretação profana, a máscara representa para o homem místico tudo aquilo que lhe falta, que está ausente e que não faz parte natural de seu «ser humano». Ela é o antípoda do espelho, já que, ao invés de refletir a decadência, exibe o vigor; ao invés de explicitar a fragilidade, insinua fortalezas que nunca se poderá demonstrar. Ao contrário do rosto que vacila diante dos menores contratempos e imprevistos do cotidiano, a máscara atua com maestria em todos os momentos, inclusive nos labirintos imaginários de mundos invisíveis, domando tanto as «almas» do bem como as «almas» do mal, colocando-as de joelhos ou na ponta dos pés segundo a necessidade histérica da aldeia. É a máscara que se usada adequadamente, submete a caça ao caçador, a mulher ao guerreiro, os inimigos a torturas quase inimagináveis. Os males do corpo assim como os males do espírito (da mente) são afastados em duas ou três noitadas de magia. O feiticeiro com uma máscara vermelha sobre o rosto, dois longos chifres, orelhas pontiagudas, dentes assustadores, olhos de fogo…
No fundo de toda essa metafísica selvagem e no fundo de todo esse festim de utopias o que se observa é que toda a diversidade de máscaras que o mercado tribal conhece, faz prioritariamente referência a satã. O homenageia, oferece-lhe poções e leite alucinógeno de todas as procedências. E digo isto porque pelo menos as que decoram minha sala de estudos, todas trazem o demônio nos olhos… É uma característica dos homens, sejam eles ligados às crenças primitivas ou modernas, imaginar os seres sobrenaturais como seres semelhantes aos humanos, apenas com uma necessidade exacerbada de vingança e de punição. Daí sua tendência em desenhá-los e em reproduzi-los sempre marcados por expressões terrificas, grotescas e sinistras. No fundo, o que fazem é apenas projetar na madeira, no marfim, no bronze ou na argila as impressões distorcidas e macabras que têm de si mesmos. E é por isso que se diz que a máscara é o alter-ego de quem a usa, um Outro que é o Mesmo, uma parte Morta que é irmã legítima da parte Viva, ou – como queria Octavio Paz - o olhar que não olha.
-----------------------------------
[1] In: Chevalier, J. e Gherrbrant, A. Idem, p.596
No comments:
Post a Comment